Texto retirado do blog (o qual recomendo a leitura de todos os tópicos) Barbas e Bigodes:
Eu eu ando de saco cheio de ouvir por aí esse blablabla de “isso é dominância” ou “você tem que mostrar quem manda” ou ainda “corrija seu cão assim e assado”.
O cão latiu: é dominância, pulou: é dominância, andou dois passos na sua frente: dominância, peidou: DOMINÂNCIA!
Desculpem este começo pouco civilizado, mas precisava desabafar!
Meu intuito aqui não é dizer como deve ou não educar seu cão, e sim dividir o que andei aprendendo. Se após ler o texto achar que tudo que disse aqui é uma grande asneira, bem, é para isso que o livre arbítrio serve.
Mas por favor, não saia por aí dando discursos sobre dominância se o que você sabe sobre o assunto é apenas o que viu em um pograma de tv, ou ainda, corrigindo fisicamente o cachorro dos outros sem permissão.
Quando digo as pessoas que sou adepta do metodo positivo elas me olham como se fosse uma coisa de outro mundo, o argumento delas é que o metodo tradicional, de “dominancia” ou “alfa” é um metodo natural pois é assim que os cães agiriam na natureza e é assim que acontece com os lobos.
Bem, eu tenho minhas dúvidas.
Começando pelo começo
Então de onde vem esta teoria?
O modelo original da teoria alfa/dominante surgiu de uma pesquisa feita com matilhas de lobos em cativeiro nos anos 30 e 40, estes foram os primeiros estudos deste tipo. (você pode le-lo aqui) Estes estudos foram um bom começo, mas pesquisas recentes contestam a maioria destas descobertas. O termo Alfa e a teoria se tornaram realmente populares nos anos 70 com um livro chamado “How to be your dog’s best friend” escrito pelos Monges de New Skete e por um outro chamado “The Wolf: Ecology and Behavior of an Endangered Species” escrito pelo biologo e especialista em lobos L. David Mech (“Dave”).
O problema com esta pesquisa é que foi de curta duração e feita com lobos de varias matilhas diferentes em cativeiro. Portanto não pode ser considerada valida no que diz respeito a como eles agem na natureza.
Os pesquisadores observaram o que hoje se sabe serem rituais e os interpretaram mal e é daqui que a maior parte do “modelo de dominancia” vem. Infelizmente, de alguma forma estas informações acabaram sendo extrapolados aos cães e esta ideia prevalece até hoje, e apesar das informações terem sido provadas erradas, ainda assim se perpetuam no meio do adestramento canino.
Pesquisas recentes
Em 2000 Dave Mech, até então defensor do modelo “alfa” publicou outro estudo, após 13 verões seguindo as mesmas matilhas na Ilha Ellesmere, norte do Canadá, retificando o que havia escrito em seu livro 30 anos atrás.
(Abaixo cito trecho do site do Dr. Mech e um do estudo que você pode ler na integra aqui) “Conceito obsoleto do lobo alfa
O conceito do lobo alfa está integrado na literatura popular do gênero, pelo menos, em partes por causa do meu livro ”The Wolf: Ecology and Behavior of an Endangered Species,” escrito em 1968, publicado em 1970, republicado em paperback em 1981, e ainda sendo impresso e disponível apesar de meus inúmeros pedidos à editora para que parassem de publica-lo. Apesar da maior parte das informações contidas no livro estarem corretas, muitas delas são antiquadas. Nunca aprendemos tanto sobre os lobos quanto nos últimos 40 anos.
Uma das informações obsoletas é o conceito de lobo alfa. “Alfa” sugere competição com outros membros da matilha e se tornar o lider vencendo um concurso ou batalha. No entanto, a maior parte dos lobos que lideram uma matilha chegaram a esse status simplesmente por acasalar e ter filhotes, que se tornam então os membros desta matilha. Em outras palavras eles são meramente procriadores ou pais e é assim que os chamamos hoje em dia.”
“A tentativa de aplicar informações de lobos sem relação de parentesco em cativeiro a estrutura familiar de matilhas naturais resultou em confusão generalizada. Poderiamos comparar a tirar conclusões generalizadas sobre a dinamica familiar humana estudando familias em campos de refugiados. Os conceitos de “lobo alfa” como lider dominando um grupo de compatriotas da mesma idade é particularmente enganosa.”
Cães x Lobos
Mas e os cães? Bem, cães não são lobos. E apesar do mesmo DNA houveram milhares de anos de domesticação e eles agem como tais, como ja citei em outro artigo aqui no blog interagir com um cão como se fosse um lobo seria o mesmo que interagir com um humano como se fosse um chimpanzé. Acreditar que somos os “Alfa” dos nossos cães é um mito. Seria mais apropriado dizer que somos seus “lideres” ou “pais” em um lar humano.
Dr. Frank Beach fez um estudo de 30 anos com cães nas universidades de Yale e Berkeley. Dezenove desses anos for dedicados ao comportamento social de uma matilha de CÃES (não de lobos). Ele descobriu que não há dominância física. As coisas são conseguidas com assedio psicológico, tudo um grande ritual. Uma minoria dos cães “alfa” que assumiram seu posto a força foram depostos rapidamente — Ninguém gosta de um ditador.
A grande maioria dos alfas são lideres bondosos, eles são confiantes de sua posição e não se rebaixam a ponto de brigar para ganhar um argumento — apenas cães medianos e inseguros de sua posição brigam. ”Alfa” não significa ser fisicamente dominante significa “controlar recursos”. Muitos cães alfa são pequenos ou fisicamente frágeis para dominar mas eles ganharam o direito de controlar recursos valiosos. Um alfa pode vir a dividir seu osso ou cama simplesmente porque ele não dá a mínima.
Correções e punições
Pegue por exemplo um Alpha Roll (ato de segurar um cão pelo cangote e virá-lo de barriga para cima ou de lado e segurá-lo nesta posição até que ele se “submeta”). Naquele primeiro estudo dos anos 40 pesquisadores observaram este comportamento e concluiram que o macho com posição mais alta na hierarquia segurava o subordinado no chão para exercer sua dominância. Mas pesquisas recentes concluíram que este é um ritual de pacificação iniciado pelo lobo subordinado e não pelo lider. O subordinado oferece o focinho ao lider, e quando o lider o “segura” , o subordinado rola no chão mostrando sua barriga. Não há força é um ato completamente voluntário.
Preste atenção da próxima vez que for a um local onde varios cães estão juntos, como um cachorrodromo por exemplo, quantos alfa rolls você vê acontecendo? Bem eu até hoje não vi nenhum.
Um lobo rolaria outro lobo contra sua vontade APENAS se estivesse planejando matá-lo. Daí você pode imaginar o que um alfa roll faz com a psique dos nossos cães…
Ao punir ou “corrigir” um cão fisicamente por ter feito algo errado ao inves de elogia-lo por ter feito algo certo estamos coagindo o cão a ficar com medo de um punição e assim é lógico que ele deixara um comportamento indesejado de lado mas as custas da relação entre cão e dono ir pras cucuias. Na minha opinião respeito não se impõe, se conquista.
Isso não quer dizer que deva deixar o cão fazer o que bem entender, devemos sim ser líderes de nossos cães, mas para isso não há necessidade de correções físicas, na maioria das vezes um simples “não” ou “ah-ah” em voz firme é suficiente para ele parar o que está fazendo.
Dr. Ian Dunbar fala sobre o assunto neste video (em inglês) e achei o ponto de vista bem interessante. Cães x Humanos
Mas como usar tudo isso no dia-a-dia com seu cão:
Primeiro, usar força física de qualquer tipo rebaixa o seu “status” na matilha, já que na “natureza” apenas cães inseguros de sua posição o fazem. Se você controlar recursos, coisas que seu cão quer e gosta, por definição você é o “alfa”. Isso não significa coisas bobas como deixar ele subir na cama ou passar primeiro por uma porta, significa controlar as coisas que eles mais gostam: comida, brinquedos e atenção.
Muitos dizem que adestramento positivo só serve para ensinar o cão a sentar, deitar, ficar, etc. A meu ver adestrar um cão é mais do que isso, é ensiná-lo comandos que possam ser úteis nas mais diversas situações, como “senta” ao cumprimentar uma visita para que não pule nela ou “deixa” quando estiver a ponto de comer qualquer porcaria na rua, ou até um comando para que pare o que estiver fazendo e venha até você não importa o que seja, assim evitando possiveis brigas com outros cães.
Ao recompensar os comportamentos que você deseja no seu cão estará ensinando que fazer aquilo é legal pra ele e assim poderá molda-lo. Para isso timing é crucial, tem que se fazer no exato momento em que o comportamento desejado acontece. Após 3 segundos é tarde demais. (Para isso você pode usar um clicker por exemplo).
Como disse no começo do texto essa é só minha opinião — e quem sou eu para dizer que esta é a verdade absoluta — e é como prefiro educar o meu cachorro. Adestramento positivo requer paciência, não existe jeitinho, mas os resultados são muito gratificantes.
Se você se interessou sobre o assunto aqui vai uma lista de sites e livros interessantes para aprender mais:
